04 dezembro, 2009

Carta do meu amor (Parte 1)


Olhava fixamente para a janela do décimo terceiro andar, impressionante como mesmo tendo fugido tanto daquela cidade, daquele bairro, daquele apartamento, daquele travesseiro com sabor do teu perfume parisiense, conseguia me sentir tão frágil. Uma boneca de fácil manejo que caia num poço sem fim a qualquer atitude tua, era isso que havia me tornado, ou melhor, sempre fui essa boneca entrelaçada nesses fios de nilon invisíveis. No fundo ainda existia uma doce esperança de te encontrar, junto com o medo do que isso poderia despertar. Precisava de álcool, mas o elevador elevava as minhas dores e ressentimentos aos olhares atentos dos seus amigos, os quais me filmavam a cada suspiro. Lembro de ter pensado em deixar de respirar, ou deixar de existir um milésimo de segundo depois. Sem deixar ninguém perceber, te procurei em todos os resquícios. Tudo ali parecia nos refletir, o cheiro da cor do teu carro, tuas roupas na desorganização perfeita costumeira, os seus livros jogados. Se não me engano foi nesse momento que sua mãe comentou sobre minha beleza, ou o seu pai sobre o meu vestido preto, só lembro-me do complemento, nenhuma novidade para mim, você não estava ali, tinha viajado por motivo de força maior, trabalho, tentaram demonstrar o quanto sentia pela ausência naquele momento. Queria que sentisse pela ausência em mim, não naquele momento. Transtornos me impulsionaram há fazer uma ligação, o discar dos números foi interrompido ao receber a tua letra ilegível num papel amarelado junto de uma garrafa convidativa de vinho. Não me importava de onde vinha, nem quem a trazia, apenas o “para minha atriz boemia” no envelope. Lia-te tão rápido, depois vagarosamente, com medo do acabar das folhas do nosso amor, lia-te como uma despedida, como um adeus, um fechamento do ciclo que sempre busquei. A reciprocidade do meu amor dolorido escrito em verso e prosa. Havia mais algo naquela sacola. Fotos, fotos e mais fotos. Meu rosto estampado durante tua vida, fotos espontâneas, minha cara enjoada de sono, minhas espinhas, olheiras, tua roupa no meu corpo. Felicidade me consumiu, não seria eu um ser compulsivo sozinho, havia a sua arte registrada também, era apenas voltada para outro ponto de vista. As circunstâncias haviam me tomado de você, nossas fraquezas, temores, ressentimentos, inseguranças apenas somavam para tudo estar como está. Ela era exatamente o contrário, era a segurança, a disponibilidade a todo segundo, um sim sem um não, uma certeza sem dúvidas, todos os defeitos escondidos atrás de uma falsa perfeição.


(...)

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